MAGALI: o nascimento da turma do focinho

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Quando compramos a Magali, nossa primeira dálmata surda, eu já sabia da tendência genética à surdez da raça. Em minha infância, tivemos uma dálmata que cruzou diversas vezes, de maneira indiscriminada, e acabou tendo um filhote surdo, o qual convivi por muito tempo, pois foi doado para uma família muito próxima à nossa. Ele era muito bonito, tinha os dois olhos azuis e ficou famoso por seu temperamento imprevisível, por não ter absolutamente limite nenhum, por avançar em diversas pessoas e nunca se sabia o que esperar dele. Então, quando decidi ter uma dálmata, depois de adulta, tinha um verdadeiro pavor de passar por aquela situação de novo. Escolhemos um canil especializado na raça, fomos conhecer os criadores, o pai e a mãe da ninhada, vimos todos os filhotes e decidimos, entre as duas fêmeas disponíveis, pela que deu um gemidinho bem especial na hora que pegamos no colo. Olhei os olhos dela, vi que não eram azuis (pois já sabia que a surdez estava ligada à falta de pigmentação, que inclui a cor dos olhos), observei as pintas e a pigmentação em volta dos olhos e vi que estava tudo certo. Algumas semanas depois, com apenas 42 dias, ela já estava com a gente.

Sono profundo de uma filhote tirada muito cedo da ninhada

Desde o primeiro dia, ficou claro que ela parecia viver em um mundo só dela, quando se concentrava numa brincadeira. Começávamos a achar que ela reagia pouco quando chamada. Assobios, panelas e latas, bater de palmas, barulhos com ela de costas, e ora não acontecia nada, ora ela reagia sim, vinha correndo em nossa direção, fazendo aquela festa, rebolava e abanava o rabo. Como qualquer filhote, ela adorava brincar com tudo e também dormia pesado, e aí sim, parecia estar em outra dimensão. Nada a acordava. Por outro lado, vimos que ela aprendia bem rápido, já que observávamos o máximo que podíamos seu comportamento e seu desenvolvimento. Até que, antes dela completar 2 meses, tínhamos certeza de que seu comportamento não era normal. Mesmo para um filhote, sua agitação era fora do comum, assim como sua falta de interação conosco. Nós a amávamos demais e víamos que ela também nos tinha como referência, mas queríamos que ela aprendesse seu nome, que viesse com os nossos assobios e reagisse sempre que falássemos com ela. Precisávamos encontrar uma solução para compreendermos melhor nossa cachorra e também entender se estávamos fazendo algo de errado.

Uma maluca implorando atenção

Pessoalmente, já tinha estudado diversos livros sobre adestramento com grande interesse em conhecer sobre o assunto que me encantava, e também como uma ferramenta prática para ajudar na nossa relação com a Magali. Mas sentia que ainda faltava um apoio profissional para a situação. Contratamos consultoria de uma franquia especializada em adestramento na cidade de São Paulo. As consultoras estiveram em nossa casa quando a Magali já tinha quase 2 meses e meio. Nesse dia, tivemos clareza de que nossas cismas não eram em vão. Magali não reagia a praticamente nenhum tipo de bronca. Não assustava com nenhum barulho e lambia a água do borrifador, que seria para afastá-la. Então, a solução encontrada pelas consultoras foi darmos trancos em sua coleira e borrifarmos uma substância amarga em seu focinho. As consultoras nos indicaram a procura por um veterinário para verificar se Magali escutava, pois não puderam confirmar nada a partir do atendimento. A essa altura já tínhamos ensinado a Magali a sentar e fomos avançando no treinamento de comandos, como ficar, dar a pata e deitar. Era muito curioso ver sua expressão concentrada quando dizíamos fica e fazíamos o sinal com a mão. Nada tirava ela do lugar, nem mesmo a gata passando por trás. Nesse período, nosso encantamento pelo comportamento animal se aprofundou.

Senta bonitinho

Com 4 meses, Magali teve uma inflamação na boca e, ao levarmos à veterinária, falamos sobre nossas suspeitas. Ela, então, aproveitou para fazer todos os testes e, nesse dia, tivemos a triste confirmação do que já sabíamos; ela era surda. Por um lado, ficamos extremamente tristes por confirmar o que não queríamos ver, já que tomamos tanto cuidado para escolhê-la com criadores especializados. Ela é filha de dois cães saudáveis, lindos, que escutam, mas carregam (um deles ou os dois) genes ligados à surdez. Por outro lado, ficamos bastante aliviadas, por descobrir a origem de parte das suas questões de comportamento.

Ao entrar em contato com os criadores, após a confirmação do diagnóstico, eles disseram que poderíamos devolvê-la e eles nos dariam outro filhote. No entanto, ficou claro o destino incerto que ela teria. E todo o vínculo que já tínhamos estabelecido não permitiria, jamais, uma troca, como se tratássemos de uma televisão com defeito. Mas, em nenhum momento, foi proposta a devolução do valor pago por ela ou qualquer tipo de orientação e apoio. Estávamos sozinhas, as três, tendo que descobrir como nos comunicarmos e vivermos bem juntas.

Passei a estudar cada vez mais sobre o comportamento animal, sobre adestramento me interessar por tudo o que se relacionava ao assunto, desde livros, revistas, até programas de televisão e, finalmente, workshops, cursos e pós graduação. Passou a fazer parte da nossa rotina certa obstinação para desenvolver ao máximo as capacidades da Magali, independente da audição. E era um desafio constante descobrir diferentes jeitos de chamar sua atenção e mantê-la equilibrada e saudável, já que ela tinha uma ansiedade bastante exacerbada.

Um breve momento de serenidade

Não nos arrependemos de nada do que nos aconteceu. Muito pelo contrário, sabemos que a Magali tinha que ser nossa e, em contrapartida, tínhamos que ser suas tutoras. Sem ela, nosso sonho não teria se concretizado, de trabalhar com animais e viver por essa causa. E ela, sem a gente, talvez tivesse sido devolvida, talvez estivesse em um abrigo ou muito provavelmente teria sido eutanasiada. Sua existência mudou nossas vidas, nossos objetivos, nossos valores e fez com que tivéssemos esse desejo de mudar tudo para dar uma qualidade de vida melhor pra ela e, consequentemente, pra gente.

Então, é da Magali a responsabilidade pela criação da Turma do Focinho. Por isso é que ela está no nosso logotipo, por isso temos pintas em toda nossa marca, por ser nossa inspiradora e a razão inicial pelo nosso interesse em atuar profissionalmente com animais. Por toda nossa história com ela, pelas angústias que passamos juntas, as três, nós sabemos e vivemos na pele, o que é se dedicar diariamente para descobrir as necessidades do seu animal e tentar se comunicar com ele. Criamos uma empresa focada em proporcionar bem-estar para os cães e gatos, mesmo que eles tenham que passar por situações difíceis ou indesejadas, como um banho, uma tosa, um corte de unhas ou uma contenção para tomar medicamentos.

A dona do fusca-dálmata

Magali viveu por 8 anos conosco (muito pouco!) dias muito felizes, com desafios constantes, mas também muitas alegrias e bagunças. Ela teve pancreatite e, mesmo lutando por 42 dias, não conseguimos salvá-la. O dia em que ela morreu foi, sem dúvida nenhuma, um dos mais tristes das nossas vidas. Mas decidimos, em homenagem a tudo o que ela nos trouxe, continuar nossa jornada. Sempre!

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